Contracepção é qualquer ação que – seja em antecipação ou durante o ato sexual – impede a concepção. Isso inclui preservativos, esterilização e outros métodos de barreira, espermicidas, coito interrompido, pílula anticoncepcional e outros.

Estes métodos são tão difundidos e procurados porque a mentalidade contraceptiva que vivemos hoje deixou uma visão de que a gravidez é um “problema” e que, por isso, as mulheres precisam estar “protegidas” dela a qualquer custo – mesmo que esse custo interfira com sua saúde (como veremos adiante) e com a vida de bebês não nascidos.

Essa mentalidade contraceptiva nos dá uma falsa expectativa de que a atividade sexual não é vinculada com a gravidez, ou que não deve trazer a gravidez como consequência. Sabemos, todavia, que o processo ovulatório que caracteriza o período fértil faz parte da fisiologia feminina, é algo natural do corpo feminino que, no entanto, é visto como algo que deve ser inibido ou interrompido, como se fosse danoso para a vida de sucesso das mulheres.

A prática contraceptiva é realizada há milhares de anos, entretanto, foi apenas no início do século XX que cientistas iniciaram experimentos em animais utilizando hormônios orais, com o intuito de produzir um medicamento contraceptivo. Com o progresso no desenvolvimento de hormônios sintéticos, a contracepção oral se tornou uma realidade.

O livro “As bases farmacológicas da terapêutica”, de Goodman e Gilman traz um breve histórico da pílula anticoncepcional, do qual retirei alguns trechos:

Em 1957, Pincus, Garcia e Rock descobriram que a progesterona evitava a ovulação em mulheres. Estudos clínicos realizados por estes pesquisadores em Porto Rico e Haiti estabeleceram o sucesso anticoncepcional da combinação noretinodrel-mestranol. No final de 1959, essa combinação foi a primeira “pílula” aprovada para uso anticoncepcional. Em 1966, já havia cerca de uma dúzia de medicamentos no mercado americano utilizando mestranol ou etinilestradiol associado com um dos vários progestogênios. Milhões de mulheres nos Estados Unidos e em outros lugares do mundo começaram a usar os anticoncepcionais orais e relatos frequentes de efeitos indesejáveis começaram a ser relatados no início da década de 70. Os pesquisadores reconheceram que estes efeitos poderiam ser decorrentes de uma dose muito alta dos hormônios, e assim surgiram os anticoncepcionais de baixa dose.

No entanto, um outro lado desta história não é contada nos livros de farmacologia. Margaret Sanger, que foi posteriormente presidente honorária e membro do conselho da Planned Parenthood American Federation, direcionou a pesquisa e o desenvolvimento da pílula anticoncepcional naquela época, juntamente com sua amiga de longa data Katharine McCormick, que contribuiu com o suporte financeiro.

Em 1953, quando Margaret Sanger e Katharine McCormick procuravam por um cientista para desenvolver uma pílula “ideal” e “inofensiva” para controle de natalidade, elas encontraram o Dr. Gregory Pincus. Ele estudava os efeitos anti-ovulatórios da progesterona e já tinha causado certa “polêmica” na comunidade científica com seus experimentos de fertilização in vitro com coelhos. Com o auxílio financeiro da Planned Parenthood e de McCormick, em poucos meses Pincus mostrou que injeções repetidas de progesterona impediam a ovulação em animais mamíferos. Com o desenvolvimento da progesterona sintética, Pincus começou a colaborar com o especialista em fertilização John Rock, e assim se iniciaram os testes clínicos da pílula anticoncepcional em Massachusetts.

Depois do sucesso destes testes preliminares, Rock e Pincus estavam confiantes de terem, em suas mãos, um contraceptivo oral. Mas sem um teste clínico em larga escala, o medicamento não seria aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration – órgão americano responsável pelo controle de alimentos, medicamentos, equipamentos médicos e outros). Pincus visitou Porto Rico em 1955 e descobriu que aquele seria o lugar perfeito para os testes, pois não havia ali a influência cultural e religiosa que se opunha à ideia de controle de natalidade. Além disso, as candidatas aos testes eram ideais por serem “pobres”, “sem educação” e “facilmente monitoradas”. Ele argumentava que, se aquelas mulheres pobres e sem educação fossem capazes de usar o contraceptivo oral da maneira correta, qualquer outra mulher também conseguiria.

Ao longo dos testes, diversos efeitos colaterais foram relatados e três mulheres morreram. No entanto, nenhuma investigação foi realizada para verificar se a causa daquelas mortes foi o uso da pílula. Confiantes na segurança da pílula, Pincus e Rock não tomaram qualquer atitude para estudar as causas dos efeitos colaterais observados.

Nos anos seguintes, entretanto, a equipe de Pincus começou a ser acusada de exploração das mulheres. Isso porque a equipe de pesquisa disse à elas que a pílula simplesmente as preveniria de terem mais uma gravidez que “elas não poderiam sustentar”; e não que aquilo era um teste clínico, ou que a pílula poderia desencadear efeitos colaterais graves. No entanto, como os próprios documentos da Planned Parenthood atestam, Pincus e Rock se defenderam com o argumento de que naquela época não era comum que houvesse documentos e assinaturas coletadas que confirmassem que aquelas pessoas estavam aceitando participar de testes clínicos, e que acreditavam estarem seguindo critérios éticos adequados para a época.

Estudos adicionais foram realizados nos Estados Unidos e o FDA aprovou a pílula anticoncepcional em 1960. O medicamento aprovado continha cinco vezes mais estrogênio que algumas pílulas usadas nos dias de hoje. Depois da observação dos efeitos colaterais, as doses foram drasticamente reduzidas e os efeitos colaterais diminuíram. Apesar disso, os testes clínicos de Porto Rico continuam caracterizando um episódio bastante controverso na história do desenvolvimento das pílulas contraceptivas.

Os anticoncepcionais orais são, hoje, uma das classes de medicamentos mais utilizadas no mundo. Entretanto, pensar na possibilidade de que aquelas mulheres não foram devidamente orientadas e avisadas sobre os possíveis efeitos colaterais e todos os riscos envolvidos, é bastante frustrante. Até hoje, não temos a plena segurança e conhecimento sobre todos os riscos de se utilizar um anticoncepcional. Por isso, devemos buscar entender o mecanismo de ação destes fármacos e as alterações que eles podem fazer em nosso organismo para, então, avaliarmos se vale a pena ou não utilizá-los. É o que faremos nos próximos textos.

Referências:
(1) Goodman e Gilman. As bases farmacológicas da terapêutica. 9ª edição.
(2) History of oral contraceptive drugs and their use worldwide. Planned Parenthood. https://www.plannedparenthood.org/files/1213/9611/6329/pillhistory.pdf
(3) American Experience: The Pill (PBS) http://www.pbs.org/wgbh/amex/pill/index.html
(4) Ray Quintanilla, Puerto Rico Herald, “Anger At Island’s ‘Pill’ Test Lingers,” Orlando Sentinel, April 5, 2004.

(Postado originalmente no site Modéstia e Pudor)