A terça-feira amanheceu nublada. Stella já tinha escolhido a roupa do dia na noite anterior: uma camisa branca com um terninho preto por cima, uma calça preta e um scarpin. Vestiu-se, fez uma maquiagem leve para mais um dia de trabalho e saiu de casa. Como de costume, sem café da manhã.
Já no trânsito, enquanto esperava o sinal abrir e a fila de carros andar, ela aproveitou para checar os e-mails e responder um deles. Sentiu-se produtiva e satisfeita consigo mesma. Sentia a necessidade de otimizar seu tempo e não admitia se sentir ociosa.
Chegou na empresa antes das oito e antes de todos os outros funcionários. Sua mesa estava impecavelmente organizada, conforme ela havia deixado na noite anterior. Ligou seu computador e sentou. Nesse instante, sua chefe Cristina chegou e a elogiou pelo relatório enviado na noite anterior.
Receber um elogio da chefe logo no início do dia era algo que inflava seu ego e vaidade. Stella sabia que Cristina era muito exigente e nada poderia ficar abaixo de seu padrão de excelência.
Já era meio dia quando Stella resolveu olhar as mensagens no seu celular. As mensagens eram diversas, de várias pessoas e grupos; no entanto, não havia nenhuma mensagem de Fernando, o que a fez sentir-se frustrada. Ele havia a procurado no sábado, ela aceitou o convite para sair. Stella tinha esperanças de que Fernando passasse a demonstrar mais interesse por ela, mas as coisas não mudavam. Ele a chamava quando tinha vontade, e ela estava sempre pronta para atendê-lo.
Abriu, então, a mensagem de sua amiga Letícia, que a convidava para um chopp mais tarde. Stella respondeu dizendo que tentaria não ficar até mais tarde no trabalho – como fazia quase todos os dias – para encontrá-la.
Às nove horas da noite, Stella enfim consegue chegar na casa de sua amiga. Estavam conversando sobre qualquer coisa até que chegaram no assunto “Fernando”. Letícia tentou abrir os olhos da amiga, dizendo que Fernando não tinha boas intenções e só queria um relacionamento superficial e sem compromisso.
No fundo, Stella sabia disso, mas queria que desse certo com Fernando. Nunca conseguia negar um encontro com ele porque estava apaixonada, mas não queria assumir esse sentimento porque tinha consciência de que Fernando não queria nada sério.
O relacionamento dos dois era frio e superficial: quando Fernando queria vê-la, ligava ou mandava uma mensagem. Stella prontamente respondia. Depois do encontro, não se falavam mais. Às vezes passava uma semana ou duas. Às vezes passava um mês, até que Fernando a procurasse novamente.
Stella sofria profundamente com aquela situação. Sentia-se envolvida por ele e tinha um desejo íntimo de que o relacionamento evoluísse, ou que ele demonstrasse um pouco mais de interesse por ela.
Mas Stella seguia uma estratégia que acreditava ser eficiente: esperar Fernando se sentir maduro e pronto para um relacionamento sério. Ela tinha esperanças de que, em um futuro próximo, o relacionamento dos dois evoluísse. Acreditava que a melhor saída era não pressionar, para que Fernando não acabasse por desistir dela. E esse envolvimento frio e sem compromisso já durava vários meses.
No seu íntimo, Stella tinha consciência de que vivia algo contrário ao que desejava mais intimamente para si. Embora estivesse envolvida em um relacionamento superficial, ela queria, sim, um relacionamento no qual o seu parceiro fosse mais presente, se importasse mais com ela, compartilhasse o dia-a-dia…
Por outro lado, quando pensava em vida pessoal e em relacionamento, apesar de intimamente desejar isso, ela sentia medo de que um envolvimento mais profundo com alguém pudesse de alguma forma atrapalhar a sua vida profissional.
Quando percebia o quanto a sua vida profissional era de sucesso, o pensamento direcionava novamente à vida pessoal. Já estava com trinta e quatro anos, será que seu destino seria ficar sozinha, vivendo apenas o profissional em profundidade, mas sem experienciar um relacionamento em profundidade?
Stella sempre fora uma mulher determinada, com um objetivo claro de estudar muito e alcançar o sucesso profissional. Desde jovem, ouvira que para ser bem-sucedida e respeitada, precisava estudar, conquistar sua independência financeira, e adiar o casamento e os filhos até ter sua carreira consolidada. Mas agora, com a carreira estável e as conquistas materiais em mãos, ela se sentia estranhamente vazia, como se algo essencial estivesse faltando.
Stella se perguntava se realmente estava no caminho certo. “Será que minha vida se resume apenas à realização profissional?” Ela sabia que o trabalho era importante, mas, ao mesmo tempo, havia uma inquietação crescente dentro dela. Pensava nas ideias que tantas mulheres, inclusive ela mesma, haviam aceitado sem questionar. A ideia de que precisariam trabalhar incessantemente para provar seu valor, que deveriam ser completamente independentes a ponto de não depender de ninguém, e que seu valor estaria ligado à sua capacidade de produzir e ser economicamente ativa. Ela também acreditava que não havia problema em ter envolvimentos sem compromisso, afinal de contas, hoje em dia o mundo era assim mesmo.
Ela começou a perceber que talvez a verdadeira liberdade estivesse em poder escolher o melhor. Escolher algo de valor verdadeiro, um valor que não é medido com as lentes do mundo material. Quem sabe até mesmo fazer uma combinação entre vida pessoal e vida profissional, sem sentir culpa ou pressão externa por saber que estaria escolhendo o melhor caminho. Quem sabe era necessário encontrar um equilíbrio que realmente refletisse seus desejos e não apenas as expectativas impostas às mulheres pela sociedade, de que elas devem ser independentes e buscar igualdade com os homens a qualquer custo, mesmo às custas de frustração e solidão. Alguma coisa estava muito errada naquelas ideias que Stella passou a vida acreditando.
Stella pensava em como muitas mulheres que, assim como ela, cresceram acreditando que o casamento e a maternidade eram empecilhos para suas realizações. Mas ao realizar as coisas que julgava prioridades – como estudo e carreira – a sensação era a de que aquela realização não era plena. Faltava algo.
Ela refletia também sobre a natureza das relações e o significado de encontrar um homem que realmente valorizasse ela como pessoa e não apenas sua aparência ou status. Para Stella, era evidente que havia mais na vida do que apenas ter uma ótima carreira e a tal da liberdade pessoal e financeira. Talvez fosse hora de redefinir o que significava ter uma vida plena e realizada.
Essas novas ideias a fizeram questionar muitos dos valores que havia internalizado. Será que o sucesso e a felicidade verdadeiros estavam realmente no topo da pirâmide corporativa, ou poderiam ser encontrados em algo mais simples e fundamental, como a construção de uma família, o cultivo de relacionamentos significativos e o serviço ao próximo?
Essas reflexões começaram a germinar em seu coração um anseio por algo, mas que ela ainda não tinha clareza do que era. Talvez, pensava ela, o papel da mulher na sociedade não fosse tão rígido ou predeterminado, mas algo que cada uma pudesse esculpir de acordo com seus próprios valores. Afinal, a verdadeira realização poderia estar em viver de acordo com a própria verdade, e não em tentar corresponder a uma definição de sucesso imposta de fora. Mas o que era, de fato, a verdade?
Depois de meses trabalhando até mais tarde, no dia seguinte Stella resolveu sair no seu horário previsto. Às 17h, estava ela indo em direção ao parque.
Não se deu ao trabalho de passar em casa para trocar de roupa, afinal de contas, caminhadas e corridas não eram o seu forte. Só queria mesmo respirar um ar diferente e tentar aquietar seus pensamentos.
A imagem de Fernando não saía de sua cabeça. Ela estava angustiada com aquela situação indefinida entre eles. Mas aquilo era estranho, afinal de contas, ela sempre achou que não havia problemas em relacionamentos sem compromisso. Se não havia problemas, por que a inquietação? Stella também não compreendia por que ele não desejava um relacionamento sério com ela, já que ela tinha tudo o que uma mulher moderna deseja.
Mas a verdade é que Stella não tinha várias coisas. Não tinha sua família por perto, porque optou por sair de sua cidade natal para estudar. Acabou ficando longe da família porque preferiu investir na sua carreira de sucesso. Lembrou de algumas amigas e parentes, da mesma idade que ela, casadas e com filhos. Ela, por sua vez, não tinha qualquer perspectiva de um relacionamento sério, muito menos de constituir família.
Olhou ao seu redor. Crianças correndo pelo parque, com seus pais ao redor, falando qualquer coisa com elas e brincando. Atentando melhor seu olhar para o ambiente, reparou nas árvores e nas flores. Respirou fundo. Há quantos anos ela não ouvia aquele barulho de canto dos pássaros? Há quanto tempo ela não reparava nas cores das flores que beiravam o caminho? Sentada no banco, olhou para suas roupas justas e o sapato de salto. Quem era aquela mulher? Para quê viera a esse mundo?