Segunda-feira. O barulho do despertador soou terrivelmente irritante naquele dia.
_Não é possível que já esteja na hora… – Stella resmungou, sonolenta, olhando o celular com dificuldade por conta da claridade da tela.
Seis e meia da manhã. Era hora de levantar, caso ela quisesse manter sua rotina exemplar de chegar no trabalho antes da chefe.
Mas como tinha sido difícil dormir naquela noite… Fernando, Pedro, trabalho, sentido, que porcaria toda era aquela que, de repente, começou a tomar conta de sua mente tão brilhante e tão focada no trabalho?
Mas era segunda-feira e sua realidade lhe chamava. O seu tão estimado trabalho a esperava. Tomou seu banho quente e reconfortante, vestiu uma roupa justa que evidenciava suas curvas corporais, como geralmente fazia sempre que saía de casa. Depois fez a maquiagem. Ao finalizar, se olhou no espelho.
Quem era aquela mulher? De repente lhe surgiu uma sensação de que aquela roupa lhe tirava a sua essência, porque fazia com que toda a atenção que ela chamava se voltasse para o seu exterior e não para o seu interior. Seria ela um mero pedaço de carne exposto na vitrine do açougue?
Mas não havia mais tempo. Bufou, catou sua bolsa e saiu correndo. Parou na cafeteria, pegou um café em copo para viagem e continuou o caminho até o trabalho.
Abriu o escritório como de costume, acendeu as luzes, ligou os ares e os computadores. Era hora de parar de perder tempo com pensamentos aleatórios porque o dever a chamava.
Enquanto esperava carregar a caixa de e-mail, seu celular apitou. Era sua mãe a convidando para ir visitá-la.
Stella respirou fundo. Já fazia quase meio ano que ela não ia visitar seus pais na sua cidade de origem. Nunca havia tempo. Mas aquele momento foi diferente. Ela precisava rever suas prioridades.
Respondeu convidando seus pais para passarem uns dias com ela. Enquanto esperava a resposta, suspirou. De repente lhe bateu uma vontade de chorar. Foi até o banheiro enxugar as lágrimas que ela não conseguia segurar. Mas que porcaria era aquela agora? Será que as crises de depressão estavam voltando?
Pela primeira vez na vida, depois de tantos anos morando longe dos pais, ela queria sinceramente que eles viessem visitá-la. Seria carência? Não era comum que ela sentisse falta deles assim. Ficou esperando ansiosamente que eles aceitassem o convite.
Na terça-feira sua mãe lhe retornou confirmando que iriam, o que deixou Stella se sentindo sinceramente feliz. A ideia seria ficarem uns dois dias, mas Stella insistiu para que ficassem uma semana. E assim ficou combinado. Eles chegariam na segunda-feira seguinte.
Enquanto os dias iam passando, Stella ficava olhando no relógio na expectativa de chegar logo 17 horas e ela poder ir embora.
_Que estranho… – ela resmungou para si mesma, enquanto ia para o carro ao fim do expediente na quinta-feira. Era estranho não fazer hora extra e ter vontade de voltar pra casa.
Já havia recebido mensagem de Letícia chamando-a para um barzinho mais tarde. Ela iria, mas antes resolveu dar uma caminhada no parque. Será que encontraria Pedro?
Chegou em casa, colocou uma roupa confortável, calçou um tênis e partiu para o parque. Depois de andar uns quinze minutos, resolveu correr. A cada minuto, mais velocidade. E quanto mais velocidade, melhor era a sensação do vento no seu rosto. Como era bom correr! Como era bom se sentir livre daquela pressão do trabalho. Como era bom respirar um ar puro e perceber a beleza da vida nas coisas mais simples. Quanto tempo ela passou sem se dar conta das pequenas coisas?
Depois de uma hora no parque, voltou pra casa. Pedro não havia aparecido. Ficou reparando no prédio azul até que lhe perdesse de vista. Pedro realmente não estava por lá. Mas tudo bem! Stella estava se sentindo bem.
Entrou em casa, tomou um banho relaxante e foi fazer um lanche. Depois, foi se arrumar. Mas de repente, aquele guarda-roupas parecia não mais a agradar. Demorou pra escolher uma roupa. Optou por um vestido simples e sapatilha. Uma sapatilha preta, a única que ela tinha, já que sempre preferia usar salto. Os cabelos estavam soltos. Fez uma maquiagem leve e se olhou no espelho. Aquela maquiagem, sem exageros, lhe ressaltou sua beleza natural, ao invés de criar uma caricatura artificial dela mesma.
Chegou no local combinado com suas amigas e entrou, focada em procurá-las. Encontrou-as em uma mesa no canto do bar e foi até lá.
_Nossa, amiga! – Letícia exclamou – Você está diferente hoje!
_Espero que isso seja um elogio – Stella riu, cumprimentando-a com um beijo no rosto e, em seguida, foi cumprimentar as outras meninas. Então, sentou.
_E as novidades? – Letícia indagou.
_Tudo igual, como sempre – Stella respondeu, enquanto chamava o garçom.
De repente, Stella ouve ao seu lado uma voz masculina familiar:
_Olha, olha, olha quem está por aqui!!
Ela virou-se rapidamente e deu de cara com Pedro, alegre e sorridente.
_Oi Pedro! – levantou-se para cumprimentá-lo com um beijo no rosto – Não te vi mais no parque – disse, num impulso.
“Ai, sua burra” – ela pensou – “Parece que fui para o parque procurá-lo desesperadamente ao longo dos dias”.
_Pois é, eu acabei ficando uns dias fora – ele respondeu – Mas agora já está tudo em ordem de novo – assim dizendo, abriu um sorriso – Como você está?
_Eu estou bem! – Stella respondeu, também com um sorriso. Era estranho que um homem lhe perguntasse como ela estava. Fernando só perguntava se ela estava “disponível para vê-lo”, o que significava “ter sua cama disponível para recebê-lo” – E sabe, estou seguindo seu conselho – ela continuou – Revendo minhas prioridades, freando um pouco o ritmo de trabalho e achando mais tempo pra ficar com minha família. Por incrível que pareça, estou me sentindo bem com isso.
_Que ótimo – ele replicou – Fico feliz por isso. E olha, aproveita bem seus pais. Eles não estarão pra sempre com você.
Stella ficou em silêncio por um tempo e percebeu que a expressão dele mudara levemente. Mas quase que imediatamente, ele voltou a expressar seu habitual sorriso e um brilho no olhar. Ela também ficou tentando identificar se aquela alegria dele era resultado de alguns chopps, mas ele não parecia bêbado. Ela concluiu – temporariamente – que ele era assim mesmo: simpático, alegre e muito bonito. Além disso, ter vindo até ela e perguntado como ela estava era o máximo. Que homem era aquele? Será que era de verdade?
Naquele momento, Stella se deu conta que suas amigas estavam olhando para os dois com ares de curiosidade.
-Ah! – então ela disse, sem graça – Nem apresentei vocês! Essas são minhas amigas Letícia, Paty e Luiza. Meninas, esse é o Pedro.
_Oi – ele disse, sorrindo para elas – Eu também tô com um pessoal aí – e apontou para uma mesa com uns quatro rapazes lá sentados – Pessoal do trabalho.
_Legal – disse Stella – Coincidência a gente se encontrar aqui.
_Pois é! Bom, vou lá. Bom te ver! – Assim dizendo, lhe beijou a bochecha, deu um “tchau” para as outras meninas e foi para a mesa com seus amigos.
Stella sentou, quieta, enquanto as meninas a encaravam.
_De onde surgiu esse Pedro??? – indagou Letícia, com grande surpresa.
_Nossa, gente, nem sei como falar! – Stella disse – Só sei que esbarrei com ele no parque um tempo atrás e agora encontrei ele aqui. É só isso que eu tenho pra contar – e riu.
_Ele parece ser muito querido – disse Lu – Precisamos conhecer aqueles amigos dele – completou, ainda rindo.
_Mas vocês pareceram super íntimos – Letícia continuou querendo saber.
_Naquele dia no parque a gente conversou um pouco, e eu senti muita familiaridade com ele – disse Stella – Mas eu não conheço ele e ainda não posso tirar qualquer conclusão…
_Nossa, eu já tirei várias conclusões – disse Letícia, rindo – Ele é simpático e muito bonito.
_Sim – Stella concordou – Vamos ver qual é a dele…
_Quem sabe agora você desencana do Fernando – Letícia resmungou, sem encarar a amiga.
_E quem disse que eu tô encanada nele? – Stella replicou, um tanto irritada.
_Que bom que não está então! – Letícia retrucou – Você é bem esperta pra entender qual é a dele.
_Ai gente, vocês são meio exigentes – Paty se intrometeu – O Fernando quer um relacionamento sem compromisso, o que tem de mal nisso?
_O que tem de mal em você ser usada e ser procurada só quando o cara tá a fim? – Letícia replicou – Se pra você isso está tudo bem, então ok. Não são todas as mulheres que querem esse tipo de relacionamento.
_Por isso mesmo – Paty continuou – Quem quer, aproveita e curte. Quem não quer, parte pra outra.
E então todas olharam para Stella.
_O que foi?! – Stella indagou – Vocês sabem muito bem como eu me sinto em relação ao Fernando! Nós combinamos nesse aspecto porque nenhum dos dois quer relacionamento sério agora – ela disse, fingindo cada uma daquelas palavras que, mesmo já tendo sido proferidas por ela tantas vezes, soavam cada vez mais mentirosas e artificiais.
_É disso que eu estou falando – Paty concluiu.
_Vocês são loucas – Letícia emendou – Mas ok. Cada um é cada um. Eu não conseguiria ter um relacionamento assim. Se eu estiver com alguém, quero ele inteiro pra mim, se preocupando comigo, ao invés de me procurar só de vez em quando quando está a fim de sexo.
Stella se sentiu ferida mais uma vez. A cada dia que passava ela se sentia um objeto de cada vez menos valor perante Fernando. Era isso mesmo que ela queria para si?! Relacionamento superficial, pessoas superficiais no trabalho, apego estético que adquiria cada vez mais sentido superficial… até quando sua vida seria superficial?