Capítulo 2

A semana foi passando e os pensamentos não deixaram Stella em paz. Até que chegou o sábado, e provavelmente as aulas da pós daquele dia a distrairiam e ela, enfim, iria sair daquele momento chato e cheio de pensamentos e reflexões intermináveis.

A aula começou. Stella não tinha muita afinidade com os colegas da turma. Conversava uma coisa ou outra, às vezes precisava fazer algum trabalho em equipe, mas ela preferia fazer suas atividades sozinha, afinal de contas, era difícil que alguém pudesse fazer as atividades melhor do que ela faria sozinha.

Sentada no canto da sala e anotando algumas informações importantes da aula, percebeu que o professor estava querendo filosofar mais do que dar aula. Não era possível! Por que raios o professor de marketing estava falando sobre sofrimento e sentido da vida?!

Stella começou a refletir. Nos últimos dias, esteve atribuindo a si e ao seu momento de vida um grande sofrimento. Seria esse sofrimento relacionado com sua frustração e incapacidade de encontrar um sentido para a sua vida? Mas isso não tinha lógica, uma vez que ela tinha plena consciência de seus objetivos, de suas metas profissionais de vida, e tudo aquilo tinha muito sentido para ela. Ela já tinha crescido até onde queria, pois tinha uma carreira bem sucedida. Por que estava tão intrigada com questionamentos existenciais? Como é que ela iria buscar um sentido para a sua vida, se sempre acreditou que já havia encontrado?

Sentido de vida… que besteira era essa agora? Stella chegou da pós e ligou a TV. Não tinha nada que a agradasse na programação. O tempo lá fora não estava muito bonito. Mas Stella estava inquieta.

Resolveu vestir uma roupa confortável, prendeu os cabelos e saiu de casa. Foi caminhando sem rumo, sentindo a brisa fresca. A vida era boa! O que mais lhe faltava?

Aquela angústia estava tomando conta dela de um jeito que nunca tinha acontecido antes. Faltava alguma coisa em sua vida, mas ela não sabia onde procurar, muito menos o quê procurar. Por que é que agora, depois de ter conquistado tudo o que queria, começou a pensar essas besteiras de sentido da vida? Por que a insatisfação?

Mas ela sabia, sim, o que faltava. Sabia qual era o desejo mais íntimo do seu coração. Ela queria poder ser bem sucedida na sua vida pessoal, assim como era na vida profissional. Mas o sonho de viver isso com Fernando parecia cada vez mais distante.

Sua busca por sentido a levou para reflexões ainda mais profundas. Começou a pensar na sua vida pessoal, e isso não significava apenas um relacionamento consistente, mas também a formação de uma família, ter um ou dois filhos… 

Filhos?! 

Essa ideia nunca havia passado por sua cabeça antes. Casar e ter filhos nunca tinha sido uma prioridade para ela. Ao contrário, Stella acreditava que casamento e filhos poderiam atrapalhar suas conquistas.

Será que aquilo que ela sempre priorizou e considerou um sucesso – a sua carreira – não era de fato a coisa mais importante de sua vida, mas que estava, na verdade, atrapalhando sua vida?

Enquanto caminhava e pensava concentradamente sobre aquilo, suas divagações foram interrompidas de repente por um esbarro bruto.

_Ai! – ela gemeu, assustada, olhando para o cara que tinha acabado de esbarrar nela.

Stella estava pronta para repreender o moço, mas quando o fitou nos olhos, sentiu uma boa impressão, o que freou seu impulso de briga.

_Nossa, mil desculpas, estava olhando o relógio e controlando meu tempo de corrida – disse ele, sem graça.

_Tudo bem, a gente está sempre controlando nosso tempo, não é mesmo? – ela replicou, sorrindo.

_Verdade – ele concordou – estamos sempre na correria. Você está bem? Está sentindo alguma dor? Se quiser, podemos ir ali na barraquinha tomar uma água.

_Está tudo bem – ela respondeu – Obrigada pela preocupação.

Stella pensou por alguns segundos. Algo naquele homem chamava sua atenção. Num impulso, disse:

_Na verdade, aceito uma água.

_Vamos lá então, também estou precisando – ele concordou.

Os dois foram caminhando até a barraquinha.

_Eu nunca tinha visto você por aqui – disse ele.

_É, eu nunca tinha vindo, agora que comecei a caminhar um pouco.

Compraram a água e sentaram num banco do parque, sentindo a brisa do fim de tarde e o burburinho das conversas e caminhadas das pessoas.

_A gente vive correndo, no trabalho, no trânsito, e ainda resolvemos correr no parque quando temos horário livre – disse ele, e riram.

_Pois é, tenho refletido muito sobre essas questões ultimamente – ela replicou – Estou sempre correndo e buscando algo, e enquanto isso a vida passa. Tenho me perguntado se as coisas que estou buscando estão certas.. – ela comentou espontaneamente, com o olhar perdido no horizonte.

_Olha, chega um momento da vida em que precisamos rever nossas prioridades… – ele comentou, também olhando para o horizonte.

_Eu sempre achei que a minha carreira era tudo o que eu precisava – disse ela, sem levar em conta que estava conversando com um estranho – Mas nos últimos tempos tenho pensado muito sobre a relevância da minha carreira. Sinto que falta alguma coisa, e não é na vida profissional, já que nesse âmbito eu tenho tudo o que sempre quis.

_Entendo – ele comentou – De fato a nossa vida não se resume à carreira.

Stella ficou intrigada. Ficou a fitar as flores mimosas na beirada da calçada, que balançavam ao vento. Parecia que a única prioridade que ela tinha na vida era a profissional.

_Eu acho que estou precisando rever as minhas… – disse ela.

_Faça isso – ele disse – Corremos o risco de deixarmos a maré nos empurrar para coisas que não são o mais importante para a nossa vida.

Stella ficou novamente intrigada com aquele comentário.

_Bom – ele continuou – Eu moro aqui na frente do parque, ali naquele prédio azul – ele apontou – Sempre estou correndo aqui no parque nesse horário. Quem sabe outro dia a gente se encontra de novo e continua essa conversa.

_Claro! – disse ela – Também moro aqui perto e também estou querendo fazer mais caminhadas aqui no parque.. Com certeza nos encontraremos novamente por aqui! Obrigada pelo papo! Até a próxima! – assim dizendo, Stella levantou.

_Desculpa, mas… como é seu nome? – ele perguntou, levantando-se também.

_Stella.

_O meu é Pedro.

_Legal, Pedro! Até mais!

Pedro… Stella passou o restante do seu fim de semana pensando nele e naquela conversa inusitada. Conversou com ele de uma maneira sincera e leve, transparecendo seu interior, como se já o conhecesse. Sem entender por que, sentiu abertura para falar coisas que não costumava falar nem com suas amigas.

Tudo levava Stella a pensar que precisava rever suas prioridades. Ela sempre focou nos estudos e na carreira de sucesso, mas sentia falta de realização pessoal.

Ela desejava que seu relacionamento com Fernando evoluísse. Se sua vida pessoal não andava, não era porque ela não queria. Ela desejava muito namorar com Fernando, desejava que ele quisesse um relacionamento mais estável com ela.

De fato, Stella não se imaginava casada e nem com filhos, mas, embora sempre defendesse a ideia de que as mulheres devessem ser livres para viverem relacionamentos casuais ou sérios conforme desejassem, no fundo ela sentia falta de ter ao seu lado um homem que quisesse estar com ela de maneira mais estável e séria, e não que quisesse vê-la somente em encontros casuais.

Será que toda essa liberdade sexual que as mulheres conquistaram nas últimas décadas era realmente uma realização?

Bom… Stella não sabia. Só sabia que havia um vazio dentro de si, mesmo que ela já houvesse conquistado para si todos os itens do checklist da mulher moderna: estudo, carreira, dinheiro, liberdade financeira, liberdade pessoal, relacionamentos livres e sem compromisso, beleza física… Stella tinha tudo isso. Por quê, então, a insatisfação?

É verdade que hoje em dia se exalta muito a beleza exterior. Mas Stella ficou se perguntando como seria se preocupar um pouco mais com sua beleza interior. Fernando, por exemplo, só usufruía de sua beleza exterior, e já havia dado diversos sinais de que não se importava com sua beleza interior.

Mas… qual beleza interior? Stella se perguntou se alguma vez quis demonstrar sua essência interior, como pessoa e mulher, para Fernando. Estava preocupada e com fortes desejos de que o relacionamento evoluísse, mas como evoluiria se os dois sempre se trataram tão superficialmente, preocupados apenas em viver suas afinidades manifestadas debaixo de lençóis?

É… alguma coisa estava muito errada aí. E a cabeça de Stella estava à mil.

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